Qual a importância de respondermos
esta questão? Vamos colocar desta maneira: Que importância tem a adoração? Você
precisa parar para pensar nisso por um instante, comparando a adoração com
outras várias atividades da vida. E mesmo se fizermos uma consideração
superficial, iremos chegar, indubitavelmente à conclusão de que, nada do que
fazemos é tão importante quanto a adoração. Não, nada de natureza secular, como
trabalho, diversão, ou mesmo a vida familiar, nem mesmo as atividades de cunho
religioso, como evangelismo, comunhão, caridade ou qualquer disciplina
espiritual particular é tão importante. Não há, portanto, pergunta mais
importante a ser respondida que essa!
No texto básico que iremos examinar,
Jesus diz que o Pai “procura” verdadeiros adoradores (Jo 4:23). É dessa forma
que Jesus resume a atividade salvífica do Pai. Qual o interesse do Pai na
pregação do evangelho? O que Ele intenta fazer por meio do seu Filho? Qual é o
fim último da encarnação, da expiação e de toda a redenção? É o Pai buscando
adoradores! Que forma inusitada e não habitual de Deus se dirigir a pecadores!
No entanto, é assim. Robert G. Rayburn ressalta que “Em nenhum lugar nas
Escrituras lemos que Deus tenha buscado qualquer coisa dos pecadores”. A Bíblia
não nos diz que Deus busca testemunhas, servos ou contribuintes. Ele busca
adoradores. Rayburn continua, “não é sem motivo que a única vez na Escritura
onde a palavra buscar é usada como atividade de Deus, é em conexão com a busca
de verdadeiros adoradores”.1
Há, então, um sentido verdadeiro em
que o Evangelho Cristão trata da adoração. O “evangelho eterno” que pregamos é
resumido pelo anjo em Apocalipse 14:7, como: “Temei a Deus e dai-lhe glória (…)
e adorai aquele que fez o céu (…)” Como já vimos, a vida cristã é apresentada
pelo apóstolo Paulo como um ato de adoração quando “apresentamos” a Deus o
nosso corpo como um “sacrifício vivo e santo”. Esse é um “culto racional” (Rm
12:1). A finalidade do evangelho é tornar pecadores santos, a fim de serem
adoradores. Note como o Senhor Jesus passa do tópico adoração para o de
salvação no verso 22, “Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos
porque a salvação vem dos judeus” (Jo 4:22). Ser salvo é ser liberto da
ignorância e da opressão da idolatria. Para os judeus, “saber” como adorar, é
possuir a “salvação”, nada menos. Talvez não estejamos acostumados a ver a
coisa dessa forma, como estou apresentando agora, mas esse é o ensino do Novo
Testamento. A finalidade ou o propósito do evangelismo e de missões é criar um
povo para adorar a Deus. Os discípulos de Cristo são “pedras vivas”,
“edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes
sacrifícios espirituais agradáveis a Deus” (1Pd 2:5; Ef 2:18-22). Deus criou
“um povo para si mesmo” para que “proclamassem as virtudes dAquele que os
chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pd 2:9). Nisso se constitui a
obra missionária da igreja, a vida cristã e a vida de adoração. John Piper
resume bem nosso ponto,
Missões não é o objetivo principal da
igreja, mas sim a adoração. Missões existem porque Deus é o alvo e não o homem.
Quando esta era passar e os incontáveis milhões de redimidos caírem com o rosto
em terra diante do trono de Deus, não haverá mais missões. Trata-se de uma
necessidade temporária, mas a adoração existirá para sempre.2
A adoração é a nossa “prioridade
máxima”, como o título de um recente livro declara. Cada Filho de Deus deveria
saber disso.
Não é apenas a Bíblia que enfatiza a
importância da adoração; a herança Presbiteriana e Reformada faz o mesmo.
Muitos historiadores modernos do período da Reforma, têm feito com que a
personalidade marcante de Lutero, na sua luta pela fé, acabe obscurecendo o
coração da Reforma Suíça e Calvinista. Para Lutero e os luteranos, o foco
principal era a Justificação pela Fé. “Como pode um homem ser justo diante de
Deus?” era a questão fundamental. Mas para Zuínglio, Calvino e a “nata dos
Reformadores”, o tema principal não era a justificação, conquanto reconhecessem
sua importância. O foco deles era a adoração. “Como Deus deveria ser adorado?”
constituía a pergunta crucial. Para os luteranos, o inimigo da fé eram as
“obras”. Para os Reformados, a “idolatria”.
Carlos M. N. Eire, em seu aclamado War
Against the Idols (Guerra contra os ídolos), relembra à nossa geração aquilo
que os antigos historiadores já haviam percebido. “O foco central do
Protestantismo Reformado foi a interpretação da adoração (…)”. Distinguindo os
luteranos dos zuinglianos, ele diz:
A diferença principal é que, para os
zuinglianos, a proposta Reformada não era encontrar um Deus justo, mas em
voltar-se da idolatria para o Deus verdadeiro.3
O mesmo pode ser dito das obras de
Heinrich Bullinger (sucessor de Zuínglio em Zurique), Martin Bucer em
Estrasburgo, William Farel em Neuchatel, e mais tarde João Calvino em Genebra.
A Reforma se espalhou com esses homens pregando contra a adoração medieval
idólatra, e o povo respondeu com sua fúria iconoclasta. Vitrais eram quebrados,
relíquias eram profanadas, estátuas despedaçadas, altares danificados e igrejas
lavadas e caiadas novamente. Farel, diz Eire, “usava as imagens e a missa como
tema dos seus sermões para dar curso à Reforma”.4 Em Genebra durante os
primeiros anos da Reforma, “o foco da atenção não era o assunto da
justificação, mas as missas e as imagens e tudo que dizia respeito aos seus
abusos”.5
Ambos, Farel e Calvino descreveram suas conversões, não como sendo salvos das
obras de injustiça prioritariamente, mas da idolatria. Como os
tessalonissences, eles tinham “deixado os ídolos para servirem ao Deus vivo”
(1Ts 1:9).
Em 1543, um folheto intitulado On the
Necessity of Reforming the Church (Sobre a necessidade de Reformar a Igreja),
Calvino lista os dois elementos que definem o Cristianismo, os quais, em suas
palavras, constituem “o todo da substância do Cristianismo”. Esses dois
elementos são primeiro “um conhecimento de qual é a maneira certa de se adorar
a Deus; e o segundo é a fonte de onde emana a salvação”.6 W. Robert Godfrey
comenta, “De forma enfática Calvino coloca a adoração à frente da salvação em
sua lista dos dois elementos mais importantes do Cristianismo bíblico”.7
Eire comenta mais adiante,
Calvino define o lugar da adoração
como nenhum dos seus predecessores tinha feito antes (…) Adoração, ele diz,
deve ser o interesse central dos cristãos. Não é uma questão periférica, mas a
“substância última” da Fé Cristã (…) alguém já disse que esta se tornou a
definição fundamental que caracteriza o Calvinismo.8
Qual é o ponto central do estudo
bíblico e teológico do evangelismo e de missões, do conhecimento de Deus e de
toda a religião cristã? A resposta é: a adoração. O verdadeiro conhecimento de
Deus leva à adoração correta, que por sua vez, leva ao viver correto. Os
teólogos da Reforma pregaram Soli Deo Gloria em todas as áreas da vida, porque
eles tinham em vista a adoração.
Fazendo da adoração o componente
existencial necessário do conhecimento, Calvino a torna o elo entre pensamento
e ação, entre a teologia e a sua aplicação prática. Foi uma teologia
eminentemente prática que Calvino desenvolveu como resultado disso. Religião
não é meramente um conjunto de doutrinas, mas antes, uma forma de adorar, um
estilo de vida.9
Não somente no continente Europeu, mas
também na Grã-Bretanha, o coração da batalha entre os seguidores de Calvino e
os da Igreja Anglicana oficial era a questão da adoração. Por cem anos os
Puritanos lutaram para reformar o Livro Comum de Orações de acordo com os
padrões de Genebra, culminando com a Guerra Civil, a convocação da Assembléia
de Westminster e a aprovação por parte do Parlamento do Diretory for the Public
Worship of God (Diretório do Culto Público de Deus)10 para os reinos
da Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda.
Não, de fato não estamos acostumados a
pensar na adoração dessa forma hoje. A situação presente não poderia ser mais
irônica, mesmo onde encontramos igrejas que se identificam como herdeiras da
Reforma, como a PCA, a qual, em nome da liberdade, falha em prover diretórios para
a adoração. Poucos têm disposição para pensar com cuidado a respeito da
adoração. Um número menor ainda vê a necessidade disso. Não somente muitos não
vêem nenhuma conexão entre doutrina e vida prática, como também não vêem
conexão entre adoração e vida prática. Assim, para que regularmos a adoração,
quando geralmente se presume que isso só serviria para dividir e é algo que não
tem valor prioritário? Nós tendemos a ser como os detratores de Calvino, que o
acusaram de fraturar a unidade da igreja com futilidades. Como esses
detratores, no entanto, estamos errados acerca disso. Questões acerca de como
devemos adorar a Deus são as mais importantes de todas, por direito próprio e
por suas aplicações abrangentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário