A Lei e a Verdade Estavam Escritas em seus Lábios...

por Pr. Josafá Vasconcelos

Como é possível descrever em palavras a importância da pregação? Todos os atos do culto são importantes e foram ordenados por Deus, mas o apóstolo Paulo destaca a profecia como sendo o de maior importância no culto público, justificando que é por este meio que a igreja é edificada (ICor. 14:5), além disso, sua importância é ainda muito mais atestada pelo fato de ser este o único meio pelo qual a fé é comunicada ao coração do pecador (Rom. 10:13-17).

O Dr. Martyn Lloyd-Jones disse que: “os puritanos asseveravam também que o sermão é mais importante que as ordenanças ou quaisquer cerimônias. Alegavam que ele é um ato de culto semelhante à eucaristia, e mais central no serviço da igreja. As ordenanças, diziam eles, selam a palavra pregada e, portanto, são subordinadas a ela”.[1]

O Pr. Paulo Anglada em seu excelente livro Introdução à Pregação Reformada, disse: “Na teologia reformada a pregação é um meio de graça. Ela e a ministração dos sacramentos são as ordenanças pelas quais o pacto da graça é administrado na nova dispensação”.

Em nossos dias, temos desprezado drasticamente este extraordinário meio de graça. As Igrejas dão mais importância ao louvor, escola dominical, teatro, coreografias, filmes, uso de data show, etc. Ninguém hoje se dispõe a ficar mais de meia hora ouvindo alguém pregar! Além do mais, o pouco de pregação que temos é comprometida em seu conteúdo. Sermões “ex-têmporis”, temáticos, cuja escolha dos textos é feita na base da “caixinha de promessas”, com versículos tidos como agradáveis e fora de contexto, são utilizados para auto-ajuda. É comum se pensar que em ocasiões especiais não há problema algum em se substituir a pregação por cantatas ou apresentação de orquestras e corais.

Muito dessas práticas, vem de um entendimento equivocado de como Deus opera a salvação nos pecadores. É comum pensar que a evangelização pode ser feita através da música e que pecadores podem se converter ouvindo hinos, corinhos, conjuntos e corais, filmes e apresentação teatral. Mas não é isso que a Bíblia diz. O único instrumento mencionado nas Escrituras e usado pelo Espírito Santo para infundir fé no coração do eleito de Deus é a pregação da Palavra. O texto de Romanos diz: “Como ouvirão se não há quem pregue” (Rm 10:14). Então poderia se dizer: Bem, não há quem pregue, mas há quem cante, quem faça teatro, projete filmes... contudo o texto continua dizendo: “...a fé vem pela pregação!” e o apóstolo Pedro confirma ao dizer: “... fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus...” (I Pd 1:23).

Por que podemos concluir que qualquer outro método, alem da leitura e pregação da Palavra, são inapropriados para transmitir a verdade da salvação? A resposta é simples quando vemos o que nos ensina o segundo mandamento: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra”. A Igreja Católica Romana ensina que este mandamento é uma extensão do primeiro e o reputa como desnecessário, e alguns evangélicos também não percebem o significado tremendo que este mandamento tem para o culto. O primeiro mandamento diz que só há um Deus, o segundo diz como este Deus deve ser adorado. Qualquer tentativa de anunciar à pessoa desse único Deus e Sua mensagem, que não for pela leitura ou pregação das Escrituras, mas sim de forma material, carnal e visível, será inapropriado e irá distorcer a mensagem! Este é o ensino de toda Escritura. Mesmo que os profetas tenham usado de recursos visuais, eles eram apenas ilustrações que acompanhavam a pregação, mas nunca em lugar dela; mesmo que tenham sido permitidas no ministério profético do Velho Testamento, foram totalmente abolidas no Novo Testamento. As únicas coisas visíveis do culto hoje são os sacramentos — Batismo e Santa Ceia, assim mesmo nunca desacompanhados da ministração da Palavra.

Pr. Paulo Anglada ainda escreveu: “Mais do que um dos meios, na concepção reformada, a pregação é o mais excelente meio pelo qual a graça de Deus é comunicada aos homens, suplantando inclusive os sacramentos. Os sacramentos não são indispensáveis; a pregação é. Os sacramentos não têm sentido sem a pregação da palavra, sendo-lhe antes subordinados. Os sacramentos servem para edificar a igreja; mas a pregação, além disso, é o meio por excelência para comunicar fé; é o poder de Deus para a Salvação. Os sacramentos são como que apêndices à pregação do evangelho. Dessa maneira, reformadores e puritanos interpretam as palavras de Paulo em 1 Coríntios 1:17: “Porque não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho”. Para Calvino, os sacramentos não têm sentido sem a pregação do evangelho”.[2] Quando a ministração dos sacramentos é dissociada da pregação, eles tendem a ser considerados como práticas mágicas.

O tema Pregação é extremamente oportuno para o nosso tempo, porque coloca em cheque a figura do pregador. Quais seriam as qualificações de um pregador? Hoje os mais apreciados, são aqueles que divertem o povo, manipulam suas emoções, afirmam sempre coisas agradáveis e que não comprometem a sua auto estima. Devem ser bem preparados na arte de divertir e impressionar e para isso os recursos mais usados são as experiências, estórias comoventes e frases de efeito. A mera exposição do texto não é excitante... Vemos com tristeza que hoje a vida pessoal do pregador, sua piedade[3], honradez, vida frugal, humildade, têm importância secundária. Ele pode ter má fama, extorquir o povo e até ser idolatrado! Ó, como tudo isso se distancia dos ensinos da Palavra de Deus sobre os pregadores e ministros do Evangelho!

O puritano John Bunyan, em seu livro “O Peregrino”, descreve a figura do pregador de uma forma exuberante. O Intérprete o conduziu a um quarto e pediu que seu servo abrisse uma porta. Através dela “Cristão viu pendurado em uma das paredes o quadro de uma pessoa bem séria. Era assim: tinha os olhos erguidos ao céu, o melhor dos livros em sua mão; a Lei e a Verdade estavam escritas em seus lábios, e suas costas, voltadas para o mundo; estava de pé, como quem suplica aos homens, e havia uma coroa de ouro sobre sua cabeça. Cristão indagou: Que significa isto? Intérprete: O homem retratado nesse quadro é uma raridade; ele pode gerar filhos, ter dores de parto por eles e amamentá-los, depois que nascem. Você o vê, com os olhos voltados ao céu, tendo o melhor dos livros em sua mão e a Lei da Verdade escrita em seus lábios, para mostrar-lhe que sua função é conhecer e revelar as coisas obscuras aos pecadores. Também você o vê em pé, com se implorasse aos homens, e o mundo atrás dele, e uma coroa sobre a sua cabeça. Isso lhe mostra que, desdenhando e desprezando as coisas do presente, por amor ao serviço que presta a seu Senhor, ele está certo de que terá a glória como recompensa no mundo por vir” (O peregrino- Pg. 54, Ed. Fiel-2005).

O Dr. M. Lloyd Jones escreveu um livro muito importante: "Pregação e Pregadores". Não somente o recomendamos, mas é imprescindível sua leitura, porque faz uma grave denúncia que, se bem compreendida, revela as razões da terrível situação em que nos encontramos. A denúncia diz respeito a um duro golpe que a Igreja sofreu nos idos de 1820. É uma referência ao estrago causado pelo aparecimento no cenário evangélico da figura de um conhecido pregador popular chamado Charles G. Finney. Finney inaugurou o que ele mesmo chamou de “Novas Medidas”, entre elas o “Banco dos Ansiosos”. Ele rejeitou a doutrina calvinista do Evangelho da Graça, era claramente pelagiano, acreditava que o homem por si mesmo poderia produzir sua conversão e popularizou o sistema de “apelo”, cerimônia supersticiosa, não bíblica, que constrange os pecadores a fazerem uma decisão imediata por Cristo. O desastre desta cerimônia é que os pregadores, seguindo este modelo, foram induzidos a mutilar suas mensagens, açucará-las, enfatizando as benesses do Evangelho e ocultando a ira de Deus, o arrependimento e os custos do que significa seguir a Jesus.

Isto abriu o caminho para o que é chamado de “pragmatismo nas igrejas”, a febre por resultados, números e, por conseguinte, a utilização de métodos humanos. Um claro atestado de incredulidade! A pura e simples pregação da palavra não é mais suficiente. Para muitos hoje, o evangelho não é mais “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”; poucos estão dispostos a crer na pregação como o método estabelecido por Deus. Hoje, o que funciona e dá resultados imediatos é o que interessa: grupos familiares, igreja em células, igreja com propósito, G 12, e celebração!

Ou Deus nos socorre do alto, usando Sua Palavra Santa e literatura sã que nos traga de volta a pregação genuína e pregadores segundo Seu coração, ou continuaremos vendo o declínio da Igreja; o povo perecerá por falta de conhecimento (Os 4:6) e as suas feridas serão tratadas superficialmente (Jr. 6:14). Ou o Senhor restaura a pregação fiel, abundante e poderosa em nosso meio, ou seremos como “corços que não acham pasto e caminham exautos na frente do perseguidor” (Lm 1:6); ou seremos um “povo que anda gemendo e à procura de pão” (Lm 1:11) e nossos próprios “sacerdotes e anciãos expirarão na cidade à procura de mantimento para restaurarem suas forças” (Lm 1:19).

O Senhor nos dê tempos de refrigério quando a Igreja poderá provar do poder da Palavra. “Nada pode substituir este poder, mas quando recebido, teremos um povo que ansiará e se prontificará por ser ensinado e instruído, a fim de ir sendo guiado, cada vez mais profundamente à verdade que há em Cristo Jesus”. Vamos prosseguir na luta com temor e tremor, até que possamos dizer: “A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder”.

Deus continua o mesmo, perfeitamente capaz de fazer “... infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos...”.

Este é o sonho do fiel peregrino... “a Lei e a Verdade estavam escritas em seus lábios”.

NOTAS:
[1] Introdução à Pregação Reformada, pg. 67, Knox Publicações
[2] Introdução à Pregação Reformada, pg. 67, Knox Publicações.
[3] Na visão reformada e puritana a primeira virtude exigida de um ministro da Palavra é a piedade; ela é mais importante no pastorado do que inteligência, grande erudição e loquacidade.

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