Ministros de Saia


por Douglas Wilson

Raramente os crentes lutam em batalhas estratégicas. Quando são provocados, por vezes lutam bem e de forma efetiva em escaramuças táticas, mas não são bem sucedidos fora desse seu campo tático. Quando algum abuso não pode mais ser ignorado, podem se juntar à batalha e o ultraje é contra-atacado. Mas quase nenhum crente vê um padrão nessa confusão geral. Poucos generais podem ficar sobre uma montanha e considerar todos os movimentos de sua tropa.

Em nossas batalhas culturais, e em vista de tudo isso, é que a questão de mulheres no púlpito, ou no conselho de presbíteros, tem sido tratada como temos visto – de maneira ineficaz. Muita gente boa tem se dedicado a lutar contra isso como se fosse uma questão puramente tática. Mas não é. No corrente clima de incredulidade, a exegese correta do ensino de Paulo sobre o papel da mulher na igreja jamais irá solucionar qualquer coisa.

As palavras parecem suficientemente claras. “A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Todavia, será preservada através de sua missão de mãe, se ela permanecer em fé, e amor e santificação, com bom senso” (I Tim. 2: 11-15). Mas aqui está a questão: as palavras são simples somente para aqueles que querem que elas sejam simples. Para os de má vontade, a passagem é cheia de mistérios.

Por ser a mulher a glória do homem, a esposa deveria ir para a congregação local com a cabeça coberta pelo cabelo; a glória de uma mulher humilde. E por que isso tem de ser assim? “Porque o homem não foi feito da mulher; e sim, a mulher do homem. Porque também o homem não foi criado por causa da mulher; e, sim, a mulher, por causa do homem” (I Cor. 11: 8-9). Isso pode magoar a todos nós nesta época moderna, mas tal ensino de maneira nenhuma pode ser conciliado com qualquer tipo de feminismo. Mas para aqueles, na igreja, que querem manter algum tipo de diálogo com o feminismo, as palavras apresentam um caminho exegético cheio de obstáculos. Como podemos conservar a redação desse texto, permanecendo evangélicos, e ao mesmo tempo contornar o que ele diz, e assim ficar na crista da onda teológica? Temos que olhar para o original grego!

Mas a existência do debate dentro da igreja nos fala muito mais da sujeira de nossos corações do que da obscuridade de qualquer texto. Aqueles cristãos que realmente enxergam o que estas passagens dizem freqüentemente serão arrastados para um debate tático por crerem, tolamente, que seus oponentes aceitam a autoridade do texto. Mas este não é o caso, em absoluto. As feministas evangélicas não aceitam a autoridade (patriarcal) do texto; elas estão simplesmente naquele estágio inicial de subversão onde o desafio aberto seria contraproducente aos seus propósitos.

Então, qual é a nossa posição estratégica? Como é que este debate conseguiu atenção e credibilidade? Por que há tal interesse nos meios evangélicos em admitir mulheres na liderança da igreja? A resposta é que, não é que não queiramos liderança feminina; o fato é que queremos mais liderança feminina. Os homens em nossos púlpitos por muitos anos têm, provisoriamente, sido mulheres; quando se tem o pedido de trazer para dentro a coisa de forma realista, com base em que princípio será negado este pedido? Não podemos dizer que temos de ter masculinidade no púlpito, porque não temos isso agora.

Por bem mais de um século na igreja americana, as normas de espiritualidade foram os padrões estabelecidos por um feminismo vitoriano adocicado. No início do século dezenove, como duas multidões convergindo numa encruzilhada tranqüila, duas revoluções se fundiram para produzir este efeito e nós ainda não recuperamos qualquer entendimento do que era a vida na igreja antes disso nos ter acontecido.

A primeira foi a ascensão de um feminismo sentimental e doméstico. Por causa da Revolução Industrial o papel da mulher na América estava no centro da economia. As mulheres administravam o lar, produziam o tecido, processavam a comida, alimentavam a família toda, etc. Porém, com a ascensão da riqueza industrializada, o papel da mulher mudou de produtora para consumidora. As mulheres foram, com efeito, desestabilizadas – e tornaram-se decorativas. As mulheres de classe média se tornaram uma nova classe do lazer, com dinheiro para gastar, e tempo para preencher. E uma das coisas que começaram a fazer foi escrever e ler romances tolos.

O segundo fator foi a revolta sentimental dos ministros contra a rígida teologia calvinista. O sistema calvinista mais antigo era tido como austero e duro (e na cultura Yankee da Nova Inglaterra realmente era). Esta revolta teve manifestações tanto na ala direita como na ala esquerda. Os anticalvinistas da ala esquerda eram Unitarianos, e tomaram Harvard em 1805. Os anticalvinistas de direita eram os reavivalistas tipificados por líderes como Charles Finney, que estavam grandemente inchados por um espírito humanista democrático que todos eles pensavam ser o Espírito Santo.

Tudo isso ocorreu no período em que as igrejas da Nova Inglaterra estavam perdendo o patrocínio dos fundos vindos de impostos. Mais importante do que a perda do dinheiro dos impostos, no entanto, era o fato de que estes clérigos congregacionais, há muito já acostumados com o seu papel, como parte central da igreja oficial, flagraram-se de fora, tendo agora que competir por paroquianos da mesma forma que os humildes batistas e os metodistas desbravadores das fronteiras do Mississipi tinham de fazer.

As mulheres que tinham tempo à disposição se prestaram prontamente como audiência para estes ministros, e os ministros anticalvinistas providenciaram um evangelho sentimental apropriado para as mulheres acostumadas a sua diversão literária feminizada. Assim, foi formada uma aliança entre o clero e as mulheres, e uma nova norma espiritual foi estabelecida dentro da igreja.

Todos estes desdobramentos, em grande parte centrados na Nova Inglaterra, não foram seguidos em sua maior parte pelo Sul, mais conservador e agrário. Mas o novo regime de feminização chegou também à igreja do Sul. A guerra entre os estados virtualmente dizimou a liderança masculina forte do Sul. Os homens já não lideravam mais, pois estavam mortos. Desde aquele tempo (exagerando só de leve) as igrejas do Sul têm sido dirigidas por três mulheres e um pastor.

A literatura do século dezenove não foi reticente em propagar esta nova visão sentimental do Evangelho. Nestas histórias vemos um regime de ferro de domesticidade – gostos e valores femininos são postos como o padrão de piedade e como uma influência regeneradora genuína. O homem não regenerado da história era sábio aos olhos do mundo, é claro, e um tipo rico e imoral, a menos que ele se converta a....... a o quê? Até que ele fosse convertido e tivesse a visão dela, e viesse se aconchegar no evangelho de aura feminina.

Estamos tão atordoados que os “valores tradicionais” cristãos correntes estão na verdade reeditando e circulando tal xaropada do século dezenove como se representasse uma visão bíblica do mundo. Mas Elsie Dinsmore[1] não representa nada do gênero. Ela simplesmente adota uma forma primitiva de feminismo, e os conservadores que aclamam a piedade dela revelam que não sabem o que aconteceu à igreja. Outro exemplo é o ancestral de nosso abobado bracelete WWJD[2] – aquele livro intitulado Em Seus passos. Esse livro em muitos aspectos era típico do gênero; a influência divina é mediada através de uma mulher. Homens podem ser convertidos ao ouvirem uma voz bonita. Isso me lembra do tempo no campo quando éramos entretidos na capela por um grupo visitante de adoráveis mulheres cantando. Quando o apelo foi feito, um pobre marinheiro totalmente reavivado, foi à frente pulando por cima dos bancos.

Como resultado de todos estes fatores, um padrão de piedade feminina foi aceito como normativo na igreja, como o padrão para todos os santos, tanto homens como mulheres. O clero, tentando viver à altura da sua reputação como sendo o terceiro sexo, lutou poderosamente para ser o que precisava ser a fim de manter este padrão. Mas poderiam tentar o que quisessem, homens não conseguem ser mulheres. Não importa o quanto tentem, os seus esforços são inúteis. A pressão então passa a ser de dar lugar àqueles que conseguem ser femininos na liderança de maneira mais convincente: mulheres. Quando os padrões de liderança cristã são todos femininos, os indivíduos obviamente mais qualificados para serem líderes cristãos são as mulheres. Isto traz um dilema: por que deveríamos excluir as mulheres da liderança quando elas são tão obviamente qualificadas para o que chamamos de liderança? Neste ponto dividimos, com alguns querendo que elas sejam incluídas, e outros conservadores relutantes admitindo que mulheres poderiam se sair tão bem quanto ou até melhor, mas ainda assim temos de nos submeter a este pronunciamento arbitrário de Paulo. Por enquanto.
Quando se entende o pano de fundo, muitas coisas a respeito da igreja contemporânea se explicam. Explica-se por que os Promise Keepers, um movimento de renovação masculina, facilmente virou em sentimentalismo bobo e choroso. Explica-se por que os ministros não podem pregar sobre determinados assuntos de púlpito. Explica-se por que os cristãos não conseguem falar claramente o porquê de as mulheres no combate serem uma abominação. Explica-se por que as virtudes masculinas de coragem, iniciativa, responsabilidade e força estão em baixa. Não podemos resistir à tentação de deixar mulheres bonitas nos liderarem pela simples razão de sermos correntemente liderados por homens bonitinhos.

Então, uma batalha aqui ou ali sobre o papel da mulher na igreja jamais irá resolver qualquer coisa. É por isso que este debate em particular, ou aquela controvérsia em particular sempre terminarão, mais uma vez, de maneira estéril, com a causa das feministas um pouco mais avançada. O padrão se repetirá vez por vez até que os conservadores finalmente se retraiam. Eles têm de se retrair porque a oposição feminista é consistente e hábil para apelar para presunções e pressuposições compartilhadas. Até que isto mude nada de significativo irá mudar. E quando mudar veremos que se entrou numa batalha estratégica.

Não falhamos porque nossas habilidades exegéticas estão enferrujadas. Falhamos porque esquecemos até de como deve ser a piedade masculina. Quando ela ocasionalmente aparece em nosso meio, somos totalmente desconcertados por ela. Deus, entretanto, deu o padrão de piedade feminina para complementar e não para dominar. A liderança foi dada aos homens. Quando tal liderança é desafiada, tudo fica desconexo, e nada, a não ser o arrependimento, pode colocar as coisas no seu devido lugar.

Como exemplo final, de muitas formas, considere as tentativas evangélicas do ano passado de amaciar a Bíblia para que se torne mais macia e delicada. O leitor pode se lembrar que a situação foi uma tentativa do pessoal da Nova Versão Internacional de alterar a linguagem das Escrituras – consertando alguns daqueles pontos problemáticos que incomodam. Quando o plano veio a público, houve um levante de protestos de todo lado. E a batalha tática foi vencida pelos mocinhos.... por enquanto.

Mas com respeito às questões subjacentes, nada mudou. Com respeito às pressões culturais que contribuem para isso, nada mudou. Com respeito ao estado da igreja, nada mudou. Então, quando consideramos tudo isso, e a condição da igreja moderna, realmente não há razão para objeções a qualquer uma das modificações na NIV (Nova Versão Internacional). Não há realmente nenhuma razão para se opor à mulher nos púlpitos de igrejas evangélicas.
Isso porque o evangelicalismo moderno tem sido castrado em termos do pacto por bem mais de cem anos. Está na hora “H” para ajuntarem alguns ministros, e uma Bíblia, e enfrentarem sua condição efeminada.
_________
Credenda Agenda - Agenda “Things to Be Done” Volume 11/ Número 2
NOTAS:
[1] Piedosa personagem cristã, heroína piegas de uma série de romances juvenis sentimentalóides escritos por Martha Finley (1828-1909) ambientados no Sul dos EUA. Estima-se que tenha vendido mais de cinco milhões de exemplares entre 1868 e 1939.
[2] WWJD é o acrônimo para What Would Jesus Do? (Que Faria Jesus?) usado em braceletes, bonés, camisetas, etc. modismo/movimento desencadeado pela nova edição contextualizada do livro Em Seus Passos Que Faria Jesus? escrita por Garret Sheldon, bisneto do autor original, Charles Sheldon.

Nenhum comentário: