Introdução histórica
A Reforma teve início na Alemanha e encontrava adeptos
na Suíça. Thomas Wyttenbach, um professor da Universidade de Basiléia,[1]
produzia discípulos cada vez mais influentes no cantão leste. A teologia e as
práticas da Igreja Católica Romana estavam progressivamente mais questionadas
na região de língua alemã. Deste modo, as cidades de Zurique, liderada por
Hulrich Zwingli, Berna sob a liderança de Berthold Haller[2], Sebastian
Meyer[3] e Franz Kolb, e Basiléia com Thomas Wyttenbach influente mentor dos demais,[4]
tornavam-se uma ameaça para o monopólio religioso romano.
Os governantes civis de Berna seguiram o exemplo de
Zurique[5] e convocaram um concílio para realizarem um debate público em
alemão, e não em latim. A reunião ocorreu durante o período de 7 a 26 de
Janeiro de 1528, entretanto, os debates tiveram início formal em 15 de Janeiro.
O concílio terminou no dia 26 de Janeiro, com a subscrição da maioria dos
clérigos de Berna.
De um lado estariam os pregadores protestantes
defendendo as suas conclusões teológicas. Assim foram as 10 Teses preparadas e
defendidas pelos ministros que deram início à reforma da Igreja de Berna,
Berthold Haller, Sebastian Meyer e Franz Kolb. Posteriormente, o texto foi
revisado e publicado em alemão, latim e francês[6] para que fosse usado na
conferência. Segundo Thomas M. Lindsay elas representavam uma “sucinta
apresentação da pregação da Igreja Reformada na Suíça”[7]sob a liderança de
Zwingli, que durante o período da disputa pregou dois sermões que causaram
positiva impressão nos cidadãos.
Os bispos católicos da cidade de Constança, de
Basiléia, de Valais e de Lausanne, apesar de convidados, não compareceram.
Durante um segundo momento somente esteve presente o bispo Conrad Treger, de
Lausanne, que decidiu guardar silêncio, por não aceitar que o debate ocorresse
em língua vernáculo e, não em latim. Os partidários romanistas da cidade de
Berna não demonstraram interesse pelo debate, visto se virem desamparados pelo
clero regional.
Os principais líderes da Reforma alemã e suíça estavam
na conferência. Dentre os mais influentes Ambrosius Blaarer de Constança,
Oecolampadius de Basiléia, Martin Bucer e Capito de Estrasburgo, Sebastian
Wagner Hofmeister de Schaffhausen, William Farel que era pregador em Aigle, e
outros menos conhecidos que entre os suíços e estrangeiros, somavam
aproximadamente 250 clérigos presentes.
O resultado da disputa teológica entre protestantes e
romanistas foi que as autoridades e cidadãos estavam resolutos em adotar a
Reforma. De imediato foram tomadas decisões que refletiram o compromisso com o
espírito reformado. A missa foi abolida e substituída pelo sermão,[8]imagens
foram removidas dos templos e, os monastérios foram esvaziados e usados para a
educação de pessoas comuns, e o sustento clérigos romanistas e a verba papal
foi declarada ilegal em Berna. Deste modo o resultado foi que o novo movimento
protestante obteve completa vitória em Berna.
A importância deste documento é que ele inaugura a
expansão do movimento de Reforma na Suíça. Até então no cantão leste, Zurique
está só, e Berna era uma das três cidades mais importantes da região. A união
era uma necessidade urgente para que pudessem fortalecer o movimento de Reforma
e alcançar outras cidades da federação suíça.
As 10 Teses de Berna
São nos entregues as seguintes conclusões de
Franciscus Kolb e Berchtoldus Haller, ambos sendo pastores da Igreja de Berna,
ao lado de outros professores ortodoxos, e por esta única razão os recebemos a
partir dos escritos bíblicos, tanto dos livros do Antigo como do Novo
Testamento, neste dia designado, sendo o próximo domingo após o dia da
circuncisão, no ano de 1528.[9]
I. A santa Igreja Cristã,[10] sobre quem somente
Cristo é a Cabeça, é nascida da Palavra de Deus, e se conforma na mesma, e não
ouve a voz de estranho.
II. A Igreja de Cristo não pode fazer nenhuma lei ou
mandamento aparte da Palavra de Deus. Deste modo, as tradições humanas não
devem ser-nos exigidas se elas não estiverem fundamentadas na Palavra de
Deus.[11]
III. Cristo é a nossa única sabedoria, justiça,
redenção e satisfação pelos pecados de todo o mundo. Assim sendo, nega a obra
de Cristo, quando se confessa que há outro fundamento de salvação e
satisfação.[12]
IV. Que o corpo e sangue de Cristo é recebido,
essencialmente e corporeamente, no pão da Eucaristia é impossível de se provar
a partir da Escritura Sagrada.[13]
V. A missa como atualmente é usada, na qual Cristo é
oferecido a Deus o Pai, pelos pecados dos vivos e mortos, é contrária à sagrada
Escritura, é blasfêmia contra o mais santo sacrifício, paixão e morte de Cristo
e, por esta razão, considerado um abuso e uma abominação diante de Deus.
VI. Assim, somente Cristo morreu por nós, assim, ele
deve ser adorado como o único Mediador e Advogado entre Deus o Pai e os
crentes. Sendo assim, é contrário à Palavra de Deus propor e invocar outros
mediadores.
VII. A Escritura nada revela acerca de um purgatório
após esta vida. Assim, todas as homenagens aos mortos, como vigílias, missas
pelos mortos, ritos fúnebres de sétimo dia, lâmpadas, candelabros, e coisas
deste tipo, são inúteis.[14]
VIII. A adoração de imagens é uma prática contrária à
Escritura, tanto nos livros do Antigo como no Novo Testamento. Deste modo, como
as imagens desonram a si mesmas, e são um perigo, deveriam ser abolidas como
objetos de adoração.
IX. O matrimônio não é proibido na Escritura para
nenhuma ordem ou homem em qualquer condição, pelo contrário, é ordenado e
permitido a todos que se casem como um meio de impedir a fornicação e a
impureza.[15]
X. Assim, de acordo com a Escritura, um assumido
fornicador precisa ser excomungado, porque ele está vivendo uma vida de
solteiro luxuriosa e impura, que é tão pernicioso para qualquer pessoa e, muito
mais para o sacerdote.[16]
NOTAS:
[1] Fundada em 1459 a
Universidade de Basiléia é o mais antigo centro acadêmico da Suíça em
contínuo funcionamento.
[2] Berthold Haller nasceu
em Aldingen (1492-1536), estudou em Rothweil e Pfortzheim onde ele estabeleceu
uma aproximação com Felipe Melanchthon. Recebeu o seu bacharel em teologia da
Universidade de Köln e, retornou para ensinar em Rothweil e em seguida foi
lecionar em Berna (1513-1518), sendo eleito assistente de Thomas Wyttenbach. A
sua simpatia e eloqüência deu-lhe proeminência na cidade, entretanto o seu
repetido desânimo diante das dificuldades precisou que Zwingli o encorajasse a
perseverar na obra da Reforma. Segundo Thomas M. Lindsay foram Haller e Zwingli
quem esboçaram o texto e tiveram o auxílio de Kolb para expor o seu
conteúdo.
[3] Sebastian Meyer
(1467-1545) foi um professor franciscano de teologia, de Elsas, que pregava em
Berna desde 1518, contra os abusos da Igreja Roma. Os notórios ataques dos
monges dominicanos em Berna (1507-1509) e, a venda de indulgências (1518)
promovida por eles motivou os cidadãos a apreciarem as pregações e a lerem o
documento.
[4] No livro Interpretação
e fundamento das 67 Conclusões, escrito em 29 de Janeiro de 1523,
Hulrich Zwingli afirma que “no início do ano de 1519 (cheguei a Zurique no dia
27 de Dezembro de 1518, o dia de São João Evangelista), nada sabia de Lutero, a
não ser que havia publicado um escrito sobre as indulgências, escrito que a
mim, nada poderia dizer de novidade. Acerca das indulgências, eu havia
aprendido que são um engano e uma falsa esperança. Aprendi numa discussão
promovida em Basiléia alguns anos antes, pelo Dr Thomas Wyttenbach, de Biel,
ainda que não estive presente nos debates.” M. Gutiérrez Marín, Zuinglio
– Antología (Barcelona, Producciones Editoriales del Nordeste, 1973),
pág. 59. A concepção de Zwingli sobre a doutrina da Ceia do Senhor também
recebeu influência de Wyttenbach que “atacou a venda de indulgências antes de
Lutero, a concepção católica romana da Ceia do Senhor, e o celibato
obrigatório.” Albert
H. Newman, A Manual of Church History (Philadelphia, The American
Baptist Publication Society, 1953), vol. 2, pág. 126; veja também em J.
Rilliet, Zwingli: Third Man of the Reformation (Londres,
Lutterworth Press, 1964), págs. 27-28.
[5] Em 1523 a liderança da
cidade de Zurique convocou um debate entre Zwingli e um grupo representante da
Igreja Católica Romana. Nesta disputa o reformador suíço apresentou as sua 67
Conclusões, dando início público à Reforma Suíça com o apoio da cidade.
[6] Originalmente o texto
foi escrito em alemão suíço sendo traduzido por Zwingli para o latim e por
Farel para o francês visando beneficiar os estrangeiros que estariam presentes
no debate. Vide*
Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation (New York, Charles
Scribner’s Sons, 1925), vol.2, págs. 41-42.
[7]
Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation, vol.2, págs. 42.
[8] O debate terminou no
dia 26 de Janeiro e a missa foi abolida em 7 de Fevereiro do mesmo ano.
[9]
A tradução fiz do texto latino conforme aparece em Philip Schaff, The
Creeds of Christendom(Grand Rapids, Baker Books, 6ªed., 2007), vol. 3, pág.
208. O texto latino reza o
seguinte: De sequentibus Conclusionibus nos Franciscus Kolb et
Berchtoldus Haller, ambo pastores Ecclesiae Bernensis, simul cum aliis
orthodoxiae professoribus unicuique rationem reddemus, ex scriptis biblicis,
Veteris nimirum et N. Testamenti libris, die designato, mimirum primo post
dominicam primam circumcisionis, anno MDXXVIII.” Um tanto diferente James
T. Dennison, Jr. do latim traduz a parte introdutória desta forma: “Berthold
Haller e Francis Kolb, ministros evangélicos em Berna com outros professores
evangélicos, ambos responderão seguindo o método de proposições e deduções,
sendo a regra para todos os debatedores que seja a sacra Escritura, que é a
Bíblia do Antigo e Novo Testamento, no dia indicado em Berna, ou seja, aquele
que é próximo à Festa da Circuncisão do Senhor. Ano 1528”. James T. Dennison,
Jr., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English
Translation 1523-1552, vol. 1, pág. 41.
[10]
James T. Dennison, Jr. traduz: “A santa igreja católica...” in: Reformed
Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation 1523-1552,
vol. 1, pág. 41.
[11] Thomas M. Lindsay
traduz: “A Igreja de Cristo não faz lei, nem estatuto aparte da Palavra de
Deus, e conseqüentemente, aquelas ordenanças humanas que são chamados
mandamentos da Igreja não podem obrigar nossas consciências a menos que estejam
fundamentadas na Palavra de Deus e de acordo com ela.” A History of the
Reformation, vol.2, págs. 41.
[12] Lindsay traduz:
“Cristo é nossa sabedoria, justiça, redenção e pagamento pelos pecados do mundo
todo; e todos os que pensam que podem obter salvação de outro modo, ou ter
outra satisfação pelos seus pecados, renunciaram a Cristo.” A History
of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[13] Lindsay traduz: “É
impossível provar das Escrituras que o Corpo e Sangue de Cristo estão
corporeamente presentes no pão da Santa Ceia.” A History of the
Reformation, vol.2, págs. 41.
[14] Lindsay traduz: “Não
há evidência de Purgatório após a morte na Bíblia; e nenhum culto pelos mortos,
nem vigílias, missas, ou coisa parecida, estas coisas são inúteis.” A
History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[15] Lindsay traduz: “O
casamento não é proibido em nenhum estado [civil] pela Escritura, mas
devassidão e a fornicação são proibidas a qualquer estado em que se
encontrar.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[16] Collison revela que
quando “Zwinglio se casou, informou seu bispo de que não era a concubina ou
‘ama de casa’ que a maior parte do clero suíço mantinha num quarto dos fundos.”
Patrick Collison, A Reforma (Rio de Janeiro, Editora Objetiva,
2006), pág.94.
Tradução com introdução e
notas históricas por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Porto Velho, 27 de Junho
de 2011.
O texto pode ser
encontrado em latim em Rev. B.J. Kidd, ed., Documents illustrative of
the Continental Reformation(Eugene, Wipf & Stock Publishers, 1911),
págs. 459-460; o texto comparativo do latim com o alemão suíço encontra-se em
Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker
Books, 6ªed., 2007), vol. 3 págs. 208-210; o texto traduzido do
francês para o inglês por James T. Dennison, Jr., org., Reformed
Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation – 1523-1552 (Grand
Rapids, Reformation Heritage Books, 2008), vol. 1, págs. 40-42; e também do francês para o inglês uma tradução
de Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation (New York,
Charles Scribner’s Sons, 1925), vol. 2, págs. 42-43.
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