Quando
o ministro lhe trouxer e lhe oferecer o pão já abençoado e partido, apreste-se
para recebê-lo, tome-o, coma-o, e então medite. Na meditação, pense nisto:
Cristo vem até você e oferece e dá à sua fé o Seu corpo e o Seu sangue, com
todos os méritos da Sua paixão e morte, para alimentar a sua alma para a vida
eterna. Este glorioso fato se dá tão certamente como é certo que o ministro
oferece e dá os sinais externos que alimentam o seu corpo para a vida temporal.
O pão do Senhor é dado pelo ministro, mas o pão que é o Senhor é dado pelo
próprio Cristo.
Quando
você tomar o pão da mão do ministro para comê-lo,[i]
eleve sua alma para apreender Cristo pela fé, e para aplicar os Seus méritos
para curar as suas misérias. Abraçe-O gentilmente com a sua fé ao participar da
ordenança, como uma vez Simeão O abraçou ainda bebê, nos panos que O envolviam.
Enquanto estiver comendo o pão,
imagine Cristo pendurado da cruz, satisfazendo a justiça de Deus por seus pecados
e sofrendo tormentos indescritíveis. Empenhe-se em apropriar-se tão
verdadeiramente da graça espiritual como concretamente se apropria dos sinais
elementares. Pois a verdade não está ausente do sinal, e Cristo não fala
enganosamente quando diz: "Isto é o
meu corpo". Ele se dá realmente a toda alma que O recebe
espiritualmente pela fé. Sim, pois, assim como a nossa Ceia é a mesma que
Cristo administrou, assim também o mesmo Cristo está verdadeiramente presente
em Sua Ceia, não por algo como a transubstanciação papal, mas sim por uma
participação sacramental,[ii]
pela qual Ele alimenta verdadeiramente o participante digno para a vida eterna.
Ele o faz, não descendo do céu e vindo a você, mas elevando você da terra até
Ele, conforme a antiga expressão, Sursum corda,[iii]
elevem seus corações. O que lembra também as palavras de Jesus Cristo: "Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão as
águias" (Mt. 24:28).
Quando você vir o vinho sendo trazido
a você, separado do pão, lembre-se de que o sangue de Jesus Cristo também foi
separado do Seu corpo na cruz, para a remissão dos seus pecados. Lembre-se
igualmente de que o Seu sangue é o selo da nova aliança, que Deus fez para
perdoar todos os pecados dos pecadores penitentes que creem nos méritos do Seu
sangue derramado. Pois o vinho não é uma ordenança do sangue de Cristo contido
em Suas veias, mas sim o Seu sangue derramado do Seu corpo na cruz, para a
remissão dos pecados de todos os que nEle creem.
Quando você beber o vinho, medite e
creia que, pelos méritos do sangue que Cristo derramou na cruz, todos os seus
pecados foram tão verdadeiramente perdoados como agora é certo que você bebeu
este vinho memorial e o recebeu pela fé. E, no instante em que o beber, fixe a
sua meditação em Cristo, pendurado no madeiro, como se, à semelhança de Maria e
João, O visse ali cravado e visse o Seu sangue correndo abaixo do Seu lado
bendito, da horrível ferida feita pela lança em Seu puro e inocente coração.
Imagine sua boca colada a Seu lado, para receber o precioso sangue antes de este
cair na terra empoeirada.
E,
todavia, beber de fato o sangue real com a sua boca não seria em nada eficaz
como eficaz é este beber sacramental espiritual daquele sangue pela fé (Mt.
26:28). Pois qualquer dos soldados poderia ter bebido o sangue real derramado
na cruz e continuar sendo um réprobo. Mas todo aquele que o beber
espiritualmente, na ordenança, pela fé, certamente terá a remissão dos seus
pecados e a vida eterna.[iv]
Assim
como você sente o vinho memorial que bebeu aquecer o seu frio estômago, assim
também faça empenho em exercer sua fé para sentir o Espírito Santo animar sua
alma com a jubilosa certeza do perdão de todos os seus pecados, pelo mérito do
sangue de Cristo. E com esse fim Deus dá a toda alma fiel, junto com o sangue
memorial, o Espírito Santo para beber: "Todos temos bebido de um Espírito" (1 Co. 12: 13). Por isso,
erga sua mente da contemplação de Cristo, morto na cruz, para considerá-Ia
agora assentado na glória, à destra do Seu Pai, fazendo intercessão por você
(Rm. 8:34; Hb. 7:25; 9:24), pela apresentação que faz a Seu Pai dos
inapreciáveis méritos da morte que Ele sofreu por você uma vez por todas, para
aplacar a Sua justiça pelos pecados que você comete diariamente contra Ele.
Depois
de comer o pão e beber o vinho, trabalhe no sentido de que, conforme esses
sinais memoriais se tornam a nutrição do seu corpo, e pelo calor da digestão se
tornam um com a substância física do seu corpo, assim a operação da fé e do
Espírito Santo torne você um com Cristo, e Cristo um com você, e assim você
sinta a sua comunhão com Cristo confirmada e aumentada diariamente, cada vez
mais (1 Co.10:17).[v]
Considere então que, assim como é impossível separar o pão e o vinho
digeridos junto ao sangue e à substância do seu corpo, assim também, e ainda
mais, é impossível separar Cristo da sua alma, e sua alma de Cristo.
Por
último, assim como o pão da ordenança, embora composto de muitos grãos, forma
um só pão, assim também você deve lembrar que, embora todos os crentes sejam
muitos, todos eles são, no entanto, apenas um corpo místico, do qual Cristo é a
Cabeça. Por isso você deve amar todo cristão como a si mesmo, como membro do
seu corpo.
Vimos,
pois, os deveres a serem cumpridos quando do recebimento dos elementos da Ceia,
processo ao qual damos o nome de meditação.
Extraído do excelente livro A Prática da Piedade, Lewis Bayly, Editora PES, pp. 342-345
[i] Sacramentum requirit sacram mentem. {O sacramento requer mente sacra.}
[i] Sacramentum requirit sacram mentem. {O sacramento requer mente sacra.}
[ii]
Cristo lhe chama Seu corpo, não sinal do Seu corpo, porque este sacramento foi
instituído não só para significar algo, mas também para comunicar as graças
espirituais que ele representa, e pelos sinais levar nossas mentes às graças
significadas. Vemos pronunciar-se dessa forma Eutimium, sobre Mat., capítulo
26, quando diz: "Non dixit dominus, Haec sunt
signa corporis mei, sed hoc est cor pus meum. Oportet ergo, non ad naturam
eorum que proposua sunt
aspicere, sed ad ipsorum virtutem et gratiam. Non hoc cor pus quod videtis
manducaturi estis, et bibituri illum sanguinem quem fusuri sunt qui me
crucifigent. Sacramentum aliquid vobis commendo; spiritualiter intellectum
vivificabit vos". {O Senhor não disse, estes são sinais do meu corpo, mas, isto é o meu corpo. Logo, convém não atentar para a natureza deles,
cujo propósito é que os observemos, mas sim à sua virtude e à sua graça
propriamente ditas. Não é o corpo, que vedes para o comerdes, nem o sangue
derramado, que vedes para o beberdes, que me colocam na cruz. O sacramento que
recomendo é o que é entendido espiritualmente; este vos vivificará.} -Aug. in Psal. xcvii, falando sobre a
pessoa de Cristo. Os discípulos não comeram corporal e substancialmente Cristo
na primeira celebração da Ceia; tampouco o fazemos nós na repetição da mesma
Ceia.
[iv] Se
a remissão dos pecados e a vida eterna fossem apropriados pelo ato de beber o
sangue real, sem dúvida João e Maria teriam dado um jeito de bebê-lo; mas João
atribui a virtude à fé em que o sangue foi derramado para remissão.
[v] Unus este panis communi notione sacramenti,
non, auten necessário unus numero. (É um só pão pela experiência comum do
sacramento, mas não necessariamente um em número.
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