Impiedade e Injustiça



“A Ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens...” (Rm 1:18)

Com mais de sessenta anos vividos posso olhar para trás e para hoje e comprovar experimental e pragmaticamente aquilo que a Bíblia fala tão veementemente: “... todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado... Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há um sequer” (Rm 3:9-12). O homem é por natureza ímpio e tende sempre para a maldade e corrupção. No entanto, para o crente, a maior comprovação de que a Bíblia é a verdade não é porque ele pode comprová-la experimentalmente, mas porque é a Palavra de Deus e ele crê nisso.

A iniquidade tem se multiplicado como nunca vi antes. Apreensivo, mas consciente, vejo se cumprir o que Jesus disse: “E, por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos” (Mt 24: 12). A cultura brasileira é acentuadamente supersticiosa, religiosa, idólatra, mas também liberal, incrédula e agnóstica, em nada diferindo das outras nações; mesmo aquelas que no passado foram guiadas por princípios bíblicos e que receberam forte influência cristã.

Recentemente estive relendo um livro sobre reforma na Igreja. O autor de um dos capítulos fala o que aconteceu nos Estados Unidos nas décadas de sessenta a noventa. Os crimes violentos aumentaram 560%; o número de filhos ilegítimos aumentou 400%; desde a legalização do aborto em 1973, estima-se que tenha havido a morte de 28 milhões de crianças que não nasceram; o índice de suicídio entre os adolescente aumentou 200%; menos de 60% das crianças moravam com seus pais biológicos. Na década de 90 apenas 13% das pessoas acreditavam na validade dos Dez Mandamentos e por isso a consequência era a de que 74% destas pessoas afirmavam que podiam roubar sem dor na consciência; 64% afirmavam que mentiriam se soubessem que com isso teriam alguma vantagem; 53% diziam que se tivessem oportunidade cometeriam adultério; 41% pretendiam usar drogas recreativas; 30% iriam falsificar o seu imposto de renda; a pornografia cresceu assustadoramente tornando-se uma indústria de 21 bilhões de dólares. Esses números são de um país colonizado debaixo dos princípios da Bíblia. Imagine o Brasil...!

Mas Paulo diz que a ira de Deus se revela do céu contra toda esta perversão moral, que algumas traduções chamam corretamente de “injustiça (adikia) dos homens” que é basicamente a quebra dos mandamentos da segunda tábua da Lei; mas o apóstolo tem o cuidado de colocar uma outra razão pela qual a ira de Deus se manifesta punitiva — a impiedade (asebeia), que se encontra expressa na primeira tábua. Por que Paulo usa estes dois termos? Alguns comentaristas acham que a expressão “impiedade e injustiça dos homens” retratam a única idéia de uma perversão ímpia. Mas fico com a posição do Dr. Lloyd-Jones de que a impiedade define toda transgressão da primeira tábua da Lei e refere-se especialmente a atitude do homem para com Deus; injustiça trata de nossas falhas em relação a nossos semelhantes; é a quebra dos mandamentos da segunda tábua Lei — É a falha em qualquer ponto de nossas relações com os homens. J. B. Lightfoot diz que asebeia é “contra Deus”, e adikia é “contra os homens”. É óbvio que Paulo está pensando na lei de Deus e do resumo que Cristo fez dela: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este é: amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Nós nunca devemos separar a piedade da justiça, pois são o resumo da Lei. No entanto, a piedade deve vir antes da justiça. Acho que Paulo entendia ser assim. Por quê? Porque a essência do pecado é a quebra do relacionamento do homem com Deus, é não viver para honrar e glorificar a Deus, sendo este o propósito pelo qual Deus criou o homem. Em Adão caímos em impiedade quando não fizemos a vontade do Criador e nesta condição vivemos. Dessa forma posso entender o porque dos mandamentos da primeira tábua da Lei — a glorificação ao único e verdadeiro Deus. Fazer Sua vontade em tudo. Não fazê-la é desprezar a Deus — isso é impiedade. Dr. John Murray diz que a impiedade é precursora da injustiça. A injustiça para com nossos semelhantes existe, porque primeiro nos foi imputada a impiedade de Adão. Por desconhecer isso, muitos moralistas dizem que não são pecadores porque nunca mataram, nem roubaram, nunca foram infiéis a suas esposas...

Deixe-me ilustrar. Tenho um amigo ateu. Quando conversamos certo dia sobre estas questões morais ele me disse ser melhor do que muitos crentes e sua vida moral era exemplar. Ele tem um filho judeu, pois uma de suas quatro mulheres que teve é judia. Perguntei o que ele achava da Lei de Moisés. Ele disse que achava muito inteligente. Mas quando lhe perguntei se concordava com os primeiros quatro mandamentos da lei mosaica ele pensou e retrucou dizendo que tudo era “bobagem” e religiosidade judaica.

Portanto, pensar que pode existir moralidade e ética sem relacionamento e conhecimento de Deus é algo tolo e grave que detrata a glória de Deus e provoca Sua ira que se revela do céu contra toda impiedade e injustiça. O homem é corrompido dos pés à cabeça, mesmo buscando a moralidade. Este homem não merece outra coisa a não ser a condenação eterna, mas se reconhecer seus pecados, toda sua impiedade e injustiça e se arrepende aos pés da cruz, perdoado manterá um relacionamento de amor, honra e glória com seu Salvador e Criador.

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