Alice estava lívida! Era a primeira vez
que visitava aquela igreja, “e também a última”, pensou ela. A igreja tinha
celebrado a Ceia do Senhor.
— Sou crente já faz quatro anos e o
pastor teve o desplante de me mandar ficar de fora da comunhão!, fumegou ela.
— Ele disse que quem estivesse com
problemas com Deus ou com a Sua igreja que tratasse de resolvê-los antes de
poder participar da mesa do Senhor, e me incluiu nisso somente porque
não sou membro de igreja. Que ousadia!
Não é raro em nossos dias que crentes
sinceros em Cristo, como Alice, pensem que filiar-se a uma igreja seja uma
questão de opção. E, diante de tantas outras opções — livros, fitas de áudio e
vídeo, programas de rádio e TV, recursos da Internet, grupos paraeclesiásticos,
etc. — filiar-se à igreja está lá no final da lista, se é que está na lista!
Muitos jamais levaram em conta que o compromisso com uma congregação tenha lá
toda essa importância, ou que seja assim tão agradável. Quase sempre ficam
chocados quando ouvem que historicamente os cristãos consideram que seja
essencial, e não opcional, filiar-se à igreja.
Seria arbitrária esta histórica
convicção cristã? Seria legalista? O que é que a Bíblia tem a dizer sobre ser
membro de uma igreja? Achamos que ela diz o suficiente. Portanto, considere
conosco dez razões bíblicas por que todo cristão declarado deve filiar-se a uma
igreja local.
Filiar-se à
igreja é ordem de Jesus
Em primeiro lugar, o nosso Senhor Jesus
Cristo ordenou aos Seus seguidores que se filiassem à igreja. Em Mateus 16.18, Jesus
diz aos Seus discípulos: “eu edificarei a minha igreja”. Ele descreve a
igreja como o templo da nova aliança, e todos os que confessam que Jesus é o
Senhor são as pedras desse edifício (Mt 16.16; 1Pe 2.5; Ef 2.19-20).
Em Mateus 28.19-20, Jesus confirma e
amplia a sua declaração anterior ao ordenar aos Seus seguidores que façam
discípulos, batizando-os e ensinando-os depois. O cumprimento dessa grande
comissão resulta na inclusão dos convertidos à igreja. Por que dizemos isso?
Porque a ordenança do batismo faz parte da grande comissão. Conquanto o batismo
do Espírito Santo nos acrescente à igreja invisível (1Co 12.13), não devemos
manter invisível a nossa salvação, temos que expressá-la externamente (Rm
10.9-10). O batismo de água, externo e visível, simboliza esta realidade
invisível.
Atos 2.41 descreve como a igreja
apostólica pôs esse princípio em prática: “Então, os que lhe aceitaram a
palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele
dia de quase três mil pessoas”. Houve um acréscimo a que? Atos 2.27 dá a
resposta: “E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles
que se haviam de salvar”. Essa era a igreja visível, os apóstolos
acompanhavam atentamente quem eram os batizados e até os contavam.
Cristo ordenou que fôssemos batizados.
Ao ordenar que sejamos batizados, ordena-nos que também sejamos acrescentados à
igreja. Noutras palavras, Ele ordena que nos filiemos à igreja, deseja que o
nosso relacionamento com Ele seja honesto e perceptível (Mt 10.32) e que seja
também um relacionamento corporativo (Hb 10.24-25).
O Velho
Testamento ensina a filiação eclesiástica
Em segundo lugar o Velho Testamento
ensina que os crentes devem se filiar à igreja. Os israelitas eram o povo da
velha aliança de Deus. Deus ordenara a circuncisão como selo daquela relação
pactual, e como sinal de membro da comunidade do pacto (Gn 17.7, 10-11). O Novo
Testamento identifica essa velha comunidade da aliança como “a igreja”
(At 7:38 – TB[1]).
Se você fosse estrangeiro teria que ser
circuncidado para se tornar membro de Israel antes de poder celebrar a Páscoa
(Êx 12.43-44, 48). Noutras palavras, você teria que se “filiar à igreja” antes
de poder participar da mesa do Senhor. Se não fosse circuncidado, não
interessaria a sua história nem a sua fé subjetiva, você seria excomungado do
meio do povo de Deus (Gn 17:14).
Pode ver o paralelismo com o Novo
Testamento? O batismo é a circuncisão do Novo Testamento (Cl 2.11-12) e marca a
sua entrada na nova comunidade do pacto, a igreja (Gl 3.27, 29; 6:15-16; Fp
3.3). A Ceia do Senhor é agora a nova Páscoa do pacto (cf. Mt 26.17-19;
1Co 5:7). Assim, da mesma maneira que era necessário ser circundado para se
tornar membro de Israel antes de poder celebrar a Páscoa, do mesmo modo é
necessário tornar-se membro da igreja antes de poder participar da Ceia do
Senhor. Por isso é que, os que “foram batizados” e “acrescentados à
igreja” eram os que participavam do partir do pão com os apóstolos (At
2.41-42; 47).
A filiação
eclesiástica é inferência Neotestamentário
Terceira, o Novo Testamento pressupõe
que todo convertido filia-se à igreja. A conversão inclui ser acrescentado à
igreja local visível (At 2.41, 47; 14:21-23). Era impensável que alguém pudesse
abraçar a Cristo e optar depois por não se filiar à igreja do Senhor. Na
verdade quem não era membro da igreja era considerando como incrédulo (Mt
18.17). O cristianismo bíblico é intensamente pessoal, sempre, mas nunca
particular e individualista.
O Novo Testamento enfatiza
vigorosamente o caráter corporativo ou grupal do cristianismo. Ele fala
do ajuntamento dos crentes como sendo, por exemplo, o corpo de
Cristo, a noiva de Cristo, a família da fé, o templo do Espírito
Santo, a comunhão dos santos, a nação santa, o povo de Deus, a família de Deus,
etc. Nos dias dos apóstolos, todo convertido filiava-se à igreja, senão o
fizesse, não era considerado convertido.
A filiação
eclesiástica é parte integrante da salvação
Quarta, o conceito bíblico de salvação
envolve ser membro de igreja. Na Bíblia, vir a Cristo e à Sua igreja é uma
coisa só, não duas. As pessoas hoje recebem a Cristo numa campanha de
evangelização e só depois é que decidem se vão ou não se filiar a uma igreja.
Algumas vezes nunca o fazem. A Palavra de Deus, no entanto, considera que vir a
Cristo e filiar-se à Sua igreja são os dois lados de uma mesma coisa: assim
como o lado de dentro e o lado de fora da salvação como um todo.
Internamente, você se volta para Deus e clama para que Ele lhe salve por meio do
sangue e da justiça de Jesus Cristo.
Externamente, você se identifica como pertencendo a Cristo pela profissão da sua fé
diante da igreja e na adoração, aprendizado e testemunho contínuos juntamente
com a assembléia (Rm 10.9-10; Mt 10.32; At 2.41-42; Hb 10.25). Fazer parte de
Cristo é, na Bíblia, fazer parte do corpo de Cristo (1Co 12.13, 27; Rm 12.5; Ef
5.29-30). Biblicamente, os cristãos servem a Cristo, não em isolamento
auto-suficiente, mas como membros vivos do Seu corpo.
A filiação
eclesiástica patenteia a ordem eclesiástica
Quinta, as tantas prescrições bíblicas
sobre ordem na igreja deixam claro que Deus espera que os crentes se filiem às
igrejas locais. Deus estabelece requisitos de admissão (At 2.47), provê meios
de expulsão da igreja (Mt 18.17; 1Co 5.4-5), ordena que haja líderes (ou
oficiais) como pastores, presbíteros e diáconos (Ef 4.11-12; At 14.23; 1Tm
3.1-13). Só este último fato já evidencia que os crentes terão que se filiar à
igreja. Pois, como é que haveria oficiais se não houvesse membros para os
eleger e seguir? De onde é que viriam pastores, presbíteros e diáconos? Para
que serviriam eles?
Em I Timóteo, depois de dar instruções
sobre a oração no culto público (2.1-8), sobre as mulheres no culto público
(2.9-15) e sobre a eleição de presbíteros e diáconos (3.1-13), o apóstolo Paulo
explica: “para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na
casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade”
(3.15). Tais regras seriam inúteis, se os crentes não fossem membros de igrejas
locais organizadas.
Muitos
mandamentos bíblicos denotam filiação eclesiástica
Sexta, há muitas outras instruções
bíblicas que só podem ser obedecidas se você for membro de igreja. Cristo
instrui os Seus seguidores para que celebrem a Ceia do Senhor (Lc 22.19). Mas a
Mesa do Senhor está posta apenas para os que são membros batizados de Sua
igreja (veja abaixo a segunda razão).
Deus ordena que os cristãos amem a
seus irmãos e os sirvam (Gl 6.2; 1Pe 3.17; 1Jo 3.14). Mas como
é possível reconhecer os irmãos? Alguns se dizem crentes, e não o são. Como é
que os crentes podem reconhecer a outros se não for pela identificação de
pertencerem a uma igreja visível que prega o evangelho?
O que prevalece hoje é um espírito de
autonomia que despreza a autoridade. Isso não é nada novo (2Pe 2.10). Mas Deus
ordena aos Seus filhos redimidos que “acateis com apreço os que [...] vos
presidem no Senhor e vos admoestam” (1Ts 5.12) e que “obedecei aos
vossos guias e sede submissos para com eles” (Hb 13.17). Mas como será isso
possível se você não se filiou à igreja que eles supervisionam? De que outra
maneira seria possível saber quem são aqueles a quem Deus colocou sobre você?
Poderíamos dar muitos outros exemplos,
mas esses devem bastar para mostrar que existem muitos outros mandamentos
bíblicos que os crentes só podem obedecer se estiverem filiados à igreja.
Destarte, recusar-se a se filiar à igreja de Jesus Cristo torna a pessoa culpa
de inúmeros pecados de omissão, e de desobediência ao Senhor.
O cuidado
pastoral exige filiação eclesiástica
A nossa sétima razão relaciona-se à
sexta, mas achamos que será útil citá-la em separado. Seria impossível cuidar
biblicamente da ovelha de Cristo sem a filiação à igreja. Deus ordena que os
presbíteros pastoreiem o Seu rebanho no exercício do cuidado e da supervisão
pastoral. A igreja é o rebanho que o Senhor deixou aos cuidados deles (At
20.28; 1Pe 5.1-4). Eles têm que concentrar a atenção naqueles que se filiaram à
igreja sobre a qual Deus os fez supervisores (1Co 5.12). Os que visitam à
igreja, porém, não estão sob a jurisdição dos presbíteros. Se não se filiarem a
ela, como é que poderão ser pastoreados adequadamente? Além do mais, o bom
pastor conhece as suas ovelhas pelos seus nomes e é também conhecido por elas
(Jo 10.3-4, 14). Os que estão sob o seu pastorado não precisariam fazer o mesmo
(1Pe 5.1-4)? Como poderão pastorear o rebanho se não souberem quem faz parte
dele?
Em Mateus 18.15-18 o nosso Senhor Jesus
ensina aos Seus discípulos como devem lidar com o pecado e o conflito no corpo
de Cristo. Se um cristão professo está em pecado e nele persiste teimosamente
sem se arrepender, a igreja deverá excomungá-lo e considerá-lo como um
incrédulo (cf. 1Co 5). Se se arrepender deverá ser restaurado (2Co
2.5-11). O objetivo principal da disciplina é o socorro e a restauração (Gl
6.1). Mas como seria possível essa prática à igreja se não houvesse uma
distinção objetiva entre os que são “de dentro” e os que são “de fora” (1Co
5.12-13)? É impossível obedecer às instruções de Cristo sobre a supervisão
pastoral e a disciplina eclesiástica se os crentes não se tornarem membros de
igreja.
A vida
prática da igreja abrange a filiação eclesiástica
Oitava, há muitas questões de ordem
prática que a igreja não pode realizar bem sem a filiação eclesiástica
objetiva. Deus ordena que “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem”
(1Co 14.40). As igrejas precisam levantar pastores, eleger presbíteros e
diáconos, definir orçamentos, comprar propriedades, construir locais de
reunião, etc. São decisões importantes. Mas sem membros objetivamente
definidos, como seria possível decidir de modo justo — “com
decência e ordem” — quem tem ou não o privilégio de votar?
O
evangelismo bíblico exige a filiação eclesiástica
Nona, é impossível o evangelismo
bíblico sem a filiação eclesiástica. A maior parcela do evangelismo de hoje
reforça o tomar decisões. Jesus, no entanto, nos ordena a fazer
discípulos. O medidor bíblico do sucesso evangelístico não está marcando um
grande número de decisões professadas, só está alistando pessoas nos
privilégios e nas responsabilidades de seguir a Cristo. Biblicamente o
evangelismo só estará completo quando os convertidos estiverem matriculados na
escola de Cristo e abraçados ao seio da família visível dos crentes (Mt
28.19-20; cf. 1Co 12:13; At 2.41, 47).
O amor de
Deus clama pela filiação eclesiástica
Décima e última, o grande amor de Deus
pela igreja convida os crentes a que se filiem à igreja. A Bíblia reforça
repetidamente o quão vital e importante é a igreja para o Deus vivo e Trino.
A igreja estava no
coração de Deus na Sua obra de criação (Ef 3.9-11). A igreja estava
no coração de Deus, na Sua obra de salvação (Mt 16.18; Ef 5.25). A igreja tem
a promessa da Sua presença especial (Hb 2.12; Mt 18.20). Se a igreja é tão
importante para o Senhor, também não deveria ser para todos aqueles que O amam?
Como é que você pode amar ao Senhor e ao mesmo tempo se desviar para longe
daquilo que o Senhor ama? Será que isso não quer dizer que todo o crente tem
que se identificar abertamente com a igreja de Cristo?
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