A Ceia do Senhor

por James Boice 

O segundo dos sacramentos protestantes é a Ceia do Senhor, que Jesus instituiu na noite anterior à sua crucificação. Este acontecimento está registrado em cada um dos evangelhos sinópticos (Mt 25:17-30; Mc 14:12-26; Lc 22:7-23), porém o melhor relato e o mais completo, encontramos em I Coríntios em uma passagem em que Paulo está procura corrigir alguns abusos que os crentes estão praticando na igreja de Corinto durante a Ceia do Senhor. A passagem é a seguinte: 

“Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha. Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice” (I Co 11:23-28). 

A Ceia do senhor é similar ao batismo, pois possui todos os elementos de um sacramento. Porém se diferencia do batismo visto que o batismo é um sacramento de iniciação (é o testemunho de uma identificação primária com Cristo, identificação sem a qual não é possível se ser cristão), enquanto que a Ceia do Senhor é um sacramento contínuo que deve ser observado vez após vez (“Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice”) no transcurso da vida cristã. Esta natureza da ceia do Senhor se vê em seu significado passado, presente e futuro. 

O significado passado
Este significado passado da Ceia do Senhor claramente é resultante do uso da palavra “memória”. Na Ceia do Senhor olhamos até o passado, até a morte do Senhor. Antes de tudo, recordamos Seu sacrifício expiatório como nosso substituto. O pão partido representa o corpo partido de nosso Senhor, e o vinho, representa Seu sangue derramado. A expiação está relacionada com nosso ser que agora está bem com Deus. A substituição significa que a expiação foi conseguida pela morte de um outro em nosso lugar. 

Por que Jesus morreu? A Bíblia nos ensina que todos que já viveram até hoje são pecadores, pois quebraram a Lei de Deus e o pagamento pelo pecado é a morte. A Bíblia nos diz: “Como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3:10-12). Nos diz: “porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:23). Esta morte não é só física, se bem que o é de fato, mas também é espiritual. A morte implica em uma separação. A morte física é a separação da alma e do espírito do corpo. A morte espiritual é a separa da alma e espírito de Deus. Merecemos esta separação como uma conseqüência de nosso pecado. Porém Jesus se converteu em nosso substituto quando experimentou a morte física e espiritual em nosso lugar. 

Uma ilustração viva deste princípio vemos nos primeiros capítulos de Gênesis. Adão e Eva haviam pecado e tinham agora medo de suas conseqüências. Deus os havia advertido dizendo: “E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2:16-17). É possível que tivessem uma idéia muito clara do que significava a morte, porém sabiam que deveria tratar-se de algo muito sério. Em conseqüência, quando pecaram por sua desobediência, e logo escutaram a voz de Deus que se aproximava no jardim, tentaram se esconder. 

Porém ninguém pode se esconder de Deus. Deus lhes falou e chamou para que saíssem de seu esconderijo e começou a tratar a sua transgressão. Que deveríamos esperar que sucedesse como resultado dessa confrontação? Aqui está Deus que havia dito aos nossos primeiros pais que no dia que pecassem nesse dia morreriam. Aqui estão Adão e Eva caídos em pecado. Dadas as circunstâncias, cabia esperar a execução imediata da sentença de Deus. Se Deus os houvesse matado nesse mesmo momento, tanto física como espiritualmente, colocando-os fora de Sua presença para sempre, haveria feito o que era justo. 

Mas não foi isto que sucedeu. Ao contrário, Deus primeiro os admoestou por haverem pecado e logo ofereceu um sacrifício. Como resultado, Adão e Eva foram vestidos com pele de animais mortos. Foi a primeira morte que alguém já presenciou. Foi Deus que realizou. Enquanto Adão e Eva presenciavam, deviam estar aterrorizados. No entanto, enquanto se escandalizavam pelo sacrifício, ao mesmo tempo estavam maravilhados. Porque o que Deus lhes mostrava era que era embora merecessem morrer, no caso destes animais, eles morreram em lugar deles. Os animais pagaram o preço do seu pecado e eles foram revestidos com as peles dos animais como recordação do fato. 

Este é o significado da substituição. É a morte de um em lugar de outro. No entanto, devemos dizer que segundo o ensino da Bíblia, a morte de animais nunca pode pagar o castigo do pecado (Hb 10:4). Este acontecimento era só um símbolo sobre como o pecado haveria de ser pago. O sacrifício real foi realizado por Jesus Cristo, e isso vemos no culto quando é celebrada a Ceia. 

Também olhamos para trás e vemos algo que Jesus sugeriu quando falou do vinho: “o sangue da aliança” (Mc 14:24) e “da nova aliança no meu sangue” (1 Co 11:25). Olhamos até trás para essa vitória em cuja base Deus tem estabelecido uma nova aliança de salvação com seu povo redimido. Um pacto é uma promessa solene confirmada por um juramento ou um sinal. Foi assim quando Cristo falou do cálice como comemorando comemoração de um novo pacto. Ele estava sinalizando para as promessas de salvação que Deus nos havia feito sobre a base da Sua morte. Isso nos vem unicamente por sua graça. 

O Significado Presente 
A Ceia do Senhor tem um significado presente. Primeiro, o sacramento é algo que participamos repetidas vezes, recordando a morte do Senhor repetidas vezes até que Ele venha. Segundo, é uma oportunidade para examinar nossas vidas à luz de nossa profissão de fé em sua morte. Paulo disse: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” (1 Co 11:28-29). 

No centro do significado presente da Ceia do Senhor está nossa comunhão em Cristo. Daí a expressão: “Culto de Comunhão”. Ao participar deste culto o crente crê que vai encontrar-se com Cristo e ter comunhão com Ele porque está sendo convidado por Ele. O exame tem lugar porque seria uma hipocrisia aparentar estar em comunhão com o Santo e manter algum pecado em nossos corações. 

O modo como Jesus está presente no culto de Comunhão tem sido tema de controvérsias e divisões na igreja cristã. Há três teorias. A primeira delas é que Jesus não está presente, pelo menos não está mais presente da forma como está presente em todo lugar. Para quem sustenta este ponto de vista, a Ceia do Senhor tem exclusivamente um caráter recordatório. É só um memorial da morte de Cristo. A segunda teoria é a sustentada pela Igreja Católica Romana. Segundo esta teoria se supõe que o corpo e o sangue de Cristo estão literalmente presentes sob a forma de pão e vinho. Antes da missa os elementos são simplesmente pão e vinho. Porém durante a missa, mediante as administrações que realiza o sacerdote, estes elementos são modificados para que, ainda que os adoradores percebam apenas o pão e o vinho, estão sem dúvida comendo e bebendo o corpo e sangue de Jesus. Este processo chama-se transubstanciação. A terceira teoria, a que sustentava João Calvino em particular e outros reformadores, é que Cristo está presente no culto de Comunhão, porém espiritualmente e não fisicamente. Calvino chamou a isto de “a presença real” para indicar que uma presença espiritual é tão real como uma presença física. 

Que temos de pensar sobre estas teorias? Para começar devemos dizer que não pode haver nenhuma oposição à teoria recordatória, já que é correta. A questão é se há algo mais envolvido além da memória., além da lembrança, apenas. A divisão fundamental consiste entre as posições da maioria dos reformadores e a doutrina da Igreja Católica Romana. Os que estão a favor de uma presença física, literal (e Lutero foi um deles, se bem que não aceitou a doutrina da transubstaciação) argumentam que esta é a interpretação literal das palavras de Cristo “Este é o meu corpo” (Mc 14:22). Porém isto não é suficiente para elucidar este assunto, porque ditas expressões ocorrem com freqüência na Bíblia em sentido evidentemente figurativo ou como representação de outra coisa. Por exemplo: 

“As sete vacas são sete anos” (Gn 41:26) 
“Tu eras a cabeça de ouro” (Dn 2:38) 
“O campo é o mundo” (Mt 13:38) 
“A Rocha era Cristo” (1 Co 10:4) 
“Os sete candeeiros são as sete igreja” (Ap 1:20) 
“Eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10:7) 
“Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15:1) 

Que Jesus estava usando uma linguagem figurada e não realizando um milagre de transubstanciação se evidencia do fato de que seu corpo estava presente enquanto falava a seus discípulos. Agora, seu corpo ressuscitado está no céu. 

Um motivo para tomar a presença de Cristo no sacramento como sendo uma presença espiritual é que este é o sentido em que se deve entender cada uma das promessas sobre a presença de Cristo conosco nesta época em que vivemos. Bannerman escreveu: 

“As promessas tais como ‘Eis que estou convosco até o fim do mundo’; ‘Onde estiver dois ou três reunidos em meu nome, eu estou no meio deles’; ‘Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei a ele e cearei com ele e ele comigo’; e outras similares, dão pé para afirmar que Cristo mediante seu Espírito, está presente nas práticas de fé do crente transmitindo sua bênção e sua graça espiritual. Porém não há nada que nos leva a fazer uma diferença ou distinção entre a presença de Cristo na Ceia e a presença de Cristo em outras práticas, no que diz respeito a dita presença. A eficácia da presença do Salvador pode ser diferente no modo de distribuir mais ou menos graça salvadora, de acordo com a natureza da prática, e a medida da fé do crente. Porém a forma que assume a dita presença é a mesma, sendo realizada mediante o Espírito de Cristo e a fé do crente”. 

Há alguns versículos muito conhecidos no capítulo 6 de João que também nos falam sobre a fé em Cristo e sobre nos alimentamos espiritualmente dele, se bem que não falem literalmente sobre a Ceia do Senhor, já que dito sacramento não havia sido instituído. “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida” (Jo 6:53-55). 

Se desejamos sinônimos para “comer” e “beber”, os encontramos em João 6 na idéia de crer (vs. 29, 35, 47), vir (v. 35), ver (v. 40), escutar e aprender dele (v 45). Todos estão indicando uma resposta a Jesus. Os termos comer e beber enfatizam que esta alimentação tem de ser por uma fé tão real como comer literalmente. 

O Significado Futuro 
O terceiro significado da Ceia do Senhor é futuro. Paulo disse: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Co 11:26). O Senhor sugeriu o mesmo quando lhe disse a seus discípulos que estavam comendo a última ceia com ele: “Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até àquele dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus” (Mc 14:25). 

Falamos sobre a presença real do Senhor Jesus Cristo no culto tal como o conhecemos agora e buscamos responder a seu chamado e servi-lo. Estamos prontos a admitir que há momentos em que isto é difícil e parece ser como que o Senhor não está presente. E seja por causa do pecado, da fadiga ou simplesmente por falta de fé, Jesus as vezes parece estar distante. Mesmo que continuemos em nossa vida cristã e no serviço, anelamos esse dia em que o veremos face a face e seremos como Ele (1 Jo 3:2). O culto de Comunhão serve para lembrarmos esse dia. É um vislumbre da grande ceia matrimonial do Cordeiro. É para nos animarmos na fé e para nos impulsionar cada vez mais alto na santidade.

Um comentário:

Unknown disse...

bom meu amado obrigado Deus o bendiga sempre