Calvino acreditava que devemos fazer
uso total das oportunidades que Deus dá para evangelizar. “Quando uma
oportunidade para edificação se apresenta, devemos perceber que uma porta foi
aberta para nós pela mão de Deus a fim de que possamos introduzir Cristo
naquele lugar e não devemos nos recusar a aceitar o generoso convite que deus
nos faz”, ele escreve.[1]
Por outro lado, quando as oportunidades
são restritas e as portas do evangelismo estão fechadas ao nosso testemunho,
não devemos persistir em tentar fazer o que não pode ser feito. Ao contrário,
devemos orar e buscar outras oportunidades. “A porta está fechada quando não há
expectativa de sucesso. [Então] temos que tomar um caminho diferente ao invés
de desgastarmos-nos em vãos esforços para alcançá-los”, Calvino escreve.[2] Entretanto,
dificuldades para testemunhar não são desculpas para deixar de tentar. Para
aqueles que estavam sofrendo restrições e perseguições severas na França,
Calvino escreveu: “Vamos, cada um, empenhar-nos em atrair e ganhar para Jesus Cristo
aqueles que pudermos”.[3] “Cada homem deve
cumprir seu dever sem ceder a qualquer impedimento. No fim, nosso esforço e
nossas fadigas não falharão; eles receberão o sucesso que ainda não aparece”.[4]
Vamos examinar a prática de
evangelização de Calvino em sua congregação e na sua própria cidade de Genebra,
neste artigo.
Com freqüência pensamos em
evangelização hoje apenas como a obra regeneradora do Espírito e da conseqüente
recepção de Cristo pelo pecador através da fé. Por isto, rejeitamos a ênfase de
Calvino na conversão como um processo contínuo envolvendo a pessoa como um
todo.
Para Calvino, evangelização envolve um
chamado contínuo e autoritativo ao crente na igreja para exercer a fé no Cristo
crucificado e ressurreto. Esta convocação é um compromisso para a vida toda.
Evangelização significa apresentar Cristo de modo que as pessoas, pelo poder do
Espírito, possam vir a Deus em Cristo. Mas também significa apresentar Cristo
de modo a que o crente possa servi-lo como Senhor na comunhão da Sua igreja e
no mundo. Evangelização requer edificar crentes na fé mais santa de acordo com
os cinco princípios-chave da Reforma: Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gracia,
Solus Christus, Sole Deo Gloria.
Calvino foi um notável praticante deste
tipo de evangelização dentro de sua própria congregação. Para Calvino, o
evangelismo começa com a pregação. Como escreve William Bouwsma: “Ele pregava
regularmente e com freqüência: no Velho Testamento nos dias de semana às seis
da manhã (sete no inverno), alternadamente; no Novo Testamento, nas manhãs de
domingo e nos Salmos, no domingo à tarde. Durante a sua vida ele pregou, neste
sistema, cerca de 4.000 sermões depois do seu retorno a Genebra: mas de 170
sermões por ano”. Pregar era tão importante para Calvino que, quando estava
rememorando as realizações da sua vida, no seu leito de morte, ele mencionou
seus sermões na frente dos seus escritos.[5]
O intento de Calvino na sua pregação
era evangelizar tanto quanto edificar. Em média ele pregava em quatro ou cinco
versículos do Velho Testamento e dois ou três versículos do Novo Testamento.
Ele refletia sobre uma pequena porção do texto de cada vez, explicando primeiro
o texto e depois, aplicando-o às vidas da sua congregação. Os sermões de
Calvino jamais eram curtos na aplicação; ao contrário, a aplicação era mais
longa do que a exposição em seus sermões. Os pregadores devem ser como pais,
ele escreveu, “dividindo o pão em pedaços pequenos para alimentar seus filhos”.
Ele também era sucinto. Como o sucessor
de Calvino, Theodoro Beza, disse da pregação do reformador: “Cada palavra
pesava uma libra”.
Calvino instruía frequentemente sua
congregação sobre como ouvir um sermão. Ele os ensinava o que procurar na
pregação, em que espírito eles deveriam ouvir. Seu alvo era ajudar as pessoas a
participarem do sermão o mais que pudessem de modo a alimentar suas almas. A
atitude de alguém que vem para um sermão, dizia Calvino, deveria incluir
“prontidão para obedecer a Deus completamente e sem qualquer reserva”.[6] “Nós não vimos para
a pregação unicamente para ouvir o que não sabemos”, Calvino acrescentou, “mas
para ser incitado a cumprir o nosso dever”.[7]
Calvino também alcançava os não salvos
através de sua pregação, impressionando-os com a necessidade de fé em Cristo e
o que isto significava. Ele deixava claro que não acreditava que todos no seu
rebanho estavam salvos. Embora caridoso com os membros da igreja que mantinham
um estilo de vida aparentemente recomendável, ele também referiu-se mais de
trinta vezes em seus comentários e nove vezes em suas Institutas (contando
apenas as referências de 3.21 a 3.24) ao pequeno número daqueles que recebem a
Palavra pregada com fé salvífica. “Se um sermão é pregado, digamos, a cem
pessoas, vinte o recebem com a obediência pronta de fé, enquanto o resto o toma
como sem valor, ou ri, ou vaia ou detesta-o”, disse Calvino.[8] Ele escreveu
também: “pois, embora todos, sem exceção, a quem a Palavra de Deus é pregada,
sejam ensinados, mesmo assim apenas um em dez, se tanto, a saboreia; sim,
escassos um em cem aproveita ao ponto de ser habilitado, desse modo a
prosseguir num rumo certo até o final”.[9]
Para Calvino, a tarefa mais importante
do evangelismo era a edificação dos filhos de Deus na fé mais santa e convencer
os incrédulos da hediondez do pecado, dirigindo-os a Cristo Jesus como o único
Redentor.
Evangelismo em Genebra
Calvino não limitava a pregação à sua
própria congregação. Ele também a usava como instrumento para divulgar a
Reforma de um extremo a outro da cidade de Genebra. Aos domingos os Estatutos
Genebrinos requeriam sermões em cada uma das três igrejas na alvorada e às 9 da
manhã. À tarde as crianças vinham para as classes de catecismo. Às três da
tarde, sermões eram pregados novamente em cada igreja.
Durante a semana eram programados
sermões em diferentes horários nas três igrejas nas Segundas, Quartas e Sextas.
Ao tempo da morte de Calvino, um sermão era pregado em cada igreja, todos os
dias da semana.
Mesmo assim não era suficiente. Calvino
desejava reformar os genebrinos em todas as esferas da vida. Em seus estatutos
eclesiásticos ele requeria três funções adicionais além da pregação que cada
igreja deveria oferecer:
1. Ensino. Doutores em teologia deveriam explicar a Palavra
de Deus, primeiro em conferências informais, depois em ambiente mais formal da
Academia de Genebra, estabelecida em 1559. Ao tempo da aposentadoria do
sucessor de Calvino, Theodoro Beza, a Academia de Genebra havia treinado 1.600
homens para o ministério.
2. Disciplina. Anciãos designados dentro de cada congregação
deviam, com a assistência dos pastores, manter a disciplina cristã, observando
os membros da igreja e seus líderes.
3. Caridade. Diáconos em cada igreja deviam receber as
contribuições e distribuí-las aos pobres.
Inicialmente a reforma de Calvino encontrou
dura oposição local. As pessoas particularmente objetavam a utilização pela
igreja da excomunhão para reforçar a disciplina eclesiástica. Depois de anos de
controvérsias, os cidadãos locais e refugiados religiosos que apoiavam Calvino
ganharam o controle da cidade. Nos últimos nove anos da sua vida, o controle de
Calvino sobre Genebra foi quase total.
Entretanto, Calvino desejava fazer mais
do que reformar Genebra. Ele queria que a cidade se tornasse uma espécie de
modelo do reino de Cristo para o mundo inteiro. Na verdade, a reputação e a
influência da comunidade genebrina espalhou-se para a vizinha França, depois
para a Escócia, Inglaterra, Holanda, partes da Alemanha ocidental, e partes da
Polônia, Tchecoslováquia e Hungria. A igreja de Genebra tornou-se um modelo
para o movimento reformado inteiro.
A Academia de Genebra também assumiu um
papel criticamente importante, pois tornou-se logo mais que um lugar para se
aprender teologia. Em “João Calvino: Diretor de Missões”, Philip Hugues
escreve:
“A Genebra de Calvino não foi uma torre de marfim
teológico que viveu para si mesma. As naves humanas eram equipadas e reparadas
neste porto...para que pudessem ser lançadas nos circunvizinhos oceanos das
necessidades do mundo, encarando bravamente cada tempestade e cada perigo que
as aguardava, a fim de trazer a luz do Evangelho de Cristo para aqueles que
estavam na ignorância e escuridão das quais eles próprios originalmente
vieram”.[10]
Através da influência da Academia, John
Knox levou a doutrina evangélica para a sua Escócia natal; ingleses foram
equipados para liderar a causa na Inglaterra; italianos tiveram o que
necessitavam para ensinar na Itália e os franceses (que formavam a grande massa
de refugiados) estenderam o Calvinismo para a França. Inspirados pela visão
verdadeiramente ecumênica de Calvino, Genebra tornou-se o núcleo do qual a
evangelização se espalhou por todo o mundo. De acordo com o Registro da
Companhia de Pastores, entre 1555 e 1562 oitenta e oito homens foram enviados
para fora de Genebra, para diferentes lugares do mundo. Estes dados são
lamentavelmente incompletos. Em 1561, que parece ter sido o ano culminante da
atividade missionária, o envio de apenas doze homens está registrado, enquanto
que outras fontes indicam que perto de vinte vezes aquele número – não menos do
que 142 – saíram em missões particulares.[11]
Esta é uma espantosa realização para um
esforço que começou com uma pequena igreja se debatendo dentro de uma minúscula
cidade – república. Contudo, o próprio Calvino reconheceu o valor estratégico
do esforço. Ele escreveu para Bullinger: “Quando considero quão importante é
este recanto (de Genebra) para a propagação do reino de Cristo, eu tenho uma
boa razão para desejar que ele seja cuidadosamente vigiado”.[12]
Em um sermão em 1 Tm 3:14, Calvino
pregou: “Que possamos atentar para o que Deus tem nos ordenado, que Ele teria
prazer em mostrar Sua graça, não apenas sobre uma cidade ou um punhado de
pessoas, mas que Ele reinaria sobre todo o mundo; que cada um possa servi-lo e
adorá-lo em verdade”.
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