O Cânon para a Vida Cristã


A viva voz "inspirada pelo Espírito" dentro da igreja ou a voz do Espírito ouvida na Escritura?
Por Dr. Sinclair Ferguson

Novamente, precisamos enfatizar que o ponto a ser considerado aqui é uma tendência. Não se limita ao ramo carismático ou pentecostal do Cristianismo.

Nossa preocupação não é nos arrastar através da controvérsia cessacionista/não-cessacionista. Seja qual for nossa opinião, é claro que hoje dentro de grandes setores do evangelicalismo, quer no carismático ou até no não-carismático, a "revelação" contínua tem sido bem-vinda. Numa geração anterior isso se expressava mais claramente naqueles que esperavam achar um direcionamento "escutando o Espírito".

Os reformados e os confessionais, incluindo pessoas como Calvino e John Owen, conheciam bem essa espécie de "revelações espirituais". Acrescentando ou ignorando a voz do Espírito na Bíblia, muitos diziam ouvir sua voz diretamente. Naquele tempo, como agora, alguns deles diziam acreditar na infalibilidade das Escrituras, embora parecessem pouco conhecer a doutrina da suficiência da Escritura. Lamentavelmente, como Calvino parece já ter experimentado na Reforma, é impossível discutir o sentido da Escritura com aqueles que presumem possuir a intervenção direta do Espírito.

Antigamente o que era pouco mais do que uma tendência mística, hoje já se tornou uma enchente. Será exagero sugerir que as pessoas que mantêm a doutrina da Reforma, da absoluta suficiência da voz do Espírito na Bíblia, iluminada pela obra do Espírito no coração, sejam uma espécie em perigo de extinção? Tanto na teologia acadêmica como no nível das pessoas comuns, essa posição da Reforma é cada vez mais julgada reacionária quando não herética, porque só uma minoria a sustenta.

Mas o que tem isso a ver com a igreja medieval? Só isso: a igreja medieval inteira operava no mesmo princípio, ainda que expresso de forma diferente. Para eles, o Espírito fala fora da Escritura; os crentes não podem conhecer o direcionamento detalhado de Deus quando dependem somente da Bíblia; a “voz viva do Espírito na igreja” é essencial.

Não só isso, mas, uma vez introduzida a "viva voz" do Espírito, parece psicologicamente inevitável que essa viva voz se torne o cânon regulamentador da conduta para a vida cristã.

A equação — a palavra da Escritura mais a “viva voz” do Espírito, igual à revelação divina — achava-se no centro da busca pelo poder do evangelho na escuridão da igreja medieval. Agora, no final do segundo milênio (1996), estamos à beira, ou talvez mais do que à beira, de sermos inundados por um fenômeno paralelo. O resultado na época (medieval) foi uma fome de se ouvir e entender a palavra de Deus — tudo sob o disfarce daquilo que ainda o Espírito estaria falando à igreja. E hoje?

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